Ciência e tecnologia em apoio à justiça, à cidadania e na promoção dos Direitos Humanos.
Em 2010, a história da perícia oficial no Estado do Pará, a trajetória do seu precursor, o Dr. Renato Chaves e a modernização da perícia, a partir da criação do Centro de Perícias Científicas “Renato Chaves”, foram objetos de estudo para a jornalista Emiliana Costa, do jornal O Diário do Pará.
Uma detalhada apuração histórica, contando com o apoio de peritos, médicos e documentação impressa da época, resultou no caderno especial Personalidades Históricas do Pará, que estampou a vida do médico Renato Chaves e sua luta para implantar e modernizar a perícia no Pará.
Atualmente, o Centro de Perícias Científicas “Renato Chaves” não é mais o que foi no passado, mas reconhece a importância do trabalho do Dr. Renato Chaves, que iniciou no Estado do Pará um trabalho que hoje se tornou fundamental para a promoção da justiça, garantindo ciência e tecnologia em apoio à sociedade.
Hoje, o CPC se destaca como um dos melhores produtores de perícia científica do Brasil. O Instituto de Criminalística (IC) e o Instituto Médico Legal (IML) do Centro de Perícias oferecem uma gama de serviços periciais por meio de profissionais: mestres, doutores e especialistas – altamente gabaritados e que utilizam tecnologia de ponta na resolução de crimes, auxiliando a justiça na promoção da cidadania e dos Direitos Humanos.
Leia, na íntegra, o material produzido pela jornalista paraense Emiliana Costa, sob a consultoria do historiador Aldrin Figueiredo, para o jornal Diário do Pará, gentilmente cedido para publicação no site da instituição.
Personalidades Históricas: Renato Chaves
Emiliana Costa
O pioneiro da perícia científica no Brasil
A primeira coisa que chama a atenção, quando se começa a pesquisar sobre a vida e obra de Renato Chaves da Silva e Souza, médico e precursor da Medicina Legal no estado do Pará é o grande respeito e admiração com que se referem a ele todos os estudiosos de sua obra. A segunda é a grande escassez de publicações sobre sua história. Apesar de ter sido um personagem de muita importância para o Pará, até onde sei não há nada escrito sobre a trajetória desse médico, sendo que só é possível encontrar seu nome em fontes fragmentadas, não compondo uma biografia, constata o professor Sálvio Ferreira Rodrigues, mestre em História pela Universidade Federal do Pará (UFPA), com pesquisa sobre a institucionalização de medicina acadêmica no Pará.
Segundo João Alberto Lurine Guimarães Júnior, perito criminal do Centro de Perícias Científicas “Renato Chaves” e especialista em Patrimônio Histórico e Cultural do Pará, que também realiza pesquisas acerca da vida de Renato Chaves, o famoso médico legista tinha grande influência sobre seus colegas de profissão e autoridades governamentais da época, mas, talvez por recato, nunca se colocava em evidência.
“Parece que ele fazia questão de tirar o foco de sua pessoa, dando destaque apenas para a importância dos serviços de perícia, sua grande paixão” - Opina Lurine
Renato Chaves sentado à esquerda e demais diretores do Serviço Médico Legal
Mas seu trabalho não passou despercebido. Para homenagear o esforço empreendido pelo Dr. Renato Chaves para o desenvolvimento da Medicina Legal no Pará, em 1971, foi criado o Instituto Médico Legal que recebeu o seu nome, hoje transformado em Centro de Perícias Científicas “Renato Chaves”, composto pelo Instituto de Criminalística e o Instituto Médico Legal.
Entre os pesquisadores, quem reuniu a maior quantidade de informações sobre o Dr. Renato Chaves, ordenadas cronologicamente num único documento, foi o também médico legista Eualt Oliveira, que publicou o resultado de suas pesquisas na Revista Pará-Médico, da Sociedade Médico Cirúrgica do Pará, edição histórica de 2001. Através do artigo do Dr. Eualt Oliveira descobre-se que Renato Chaves nasceu em Santarém, região Oeste do Pará, em 3 de janeiro de 1890. O Dr. Eualt justifica que os dados do nascimento têm como fonte declarações do próprio Renato Chaves e documentos como um requerimento que ele enviou ao juiz Arnaldo Valente Lobo, que realizou seu casamento, onde solicitava, justamente, urgência na tramitação dos proclamas; além do seu diploma de médico e declarações dos Drs. Manoel de Miranda Lobato e Bertino Barbosa de Lima.
Quando seus pais José Luiz da Silva e Maria Lins Chaves da Silva e Souza vieram para Belém, Renato Chaves estudou no curso de Humanidades do Liceu Paraense, atual Colégio Estadual Paes de Carvalho. Posteriormente, em 1912, diplomou-se em Medicina no Rio de Janeiro. De volta a Belém, foi professor de Anatomia Humana da Faculdade de Medicina e Cirurgia do Pará e um dos fundadores da Sociedade Médico Cirúrgica do Estado. Em 1924, foi nomeado diretor dos Serviços Médico Legal, de Identificação e Assistência Pública, órgão que daria origem ao Instituto que hoje leva seu nome.
Morte prematura
Em 1928, o Dr. Renato Chaves casou-se com a professora Nair Fonseca de Lima. No ano seguinte, aos 39 anos de idade, o médico faleceu, ainda no exercício da direção do Serviço Médico-Legal, no dia 13 de dezembro, em virtude de problemas do coração. O Dr. Eualt Oliveira registra em seu artigo que os jornais da época, em especial o “Estado do Pará”, publicaram com grande destaque a morte prematura do brilhante legista. Na época, foi observado luto de três dias na Polícia Civil e no Serviço Médico-Legal, por decreto do chefe de Polícia.
Quando Renato Chaves faleceu, sua esposa estava grávida e, posteriormente, deu à luz um menino, Luiz Chaves. Trilhando o caminho do pai, Luiz também se formou médico pela Faculdade de Medicina do Pará, em 1953, e depois passou a residir nos Estados Unidos. Atualmente, aos 80 anos, Luiz Chaves mora em Fortaleza (CE), sendo o último descendente direto de Renato Chaves, já que não teve filhos.
Proposta do pioneiro ganhou adesão nacional
Não existem dados sobre o início do engajamento de Renato Chaves na luta pela regulamentação da perícia científica. O que se sabe é que, no mesmo ano em que se formou em Medicina, 1912, já representava o Pará num congresso policial, realizado em São Paulo, que discutia o tema. Neste evento, entre as inúmeras proposições que defendeu, Renato destacou-se por demonstrar a necessidade da implantação de cursos regulares de Perícias Científicas, do qual o estado do Pará foi o precursor. Sua proposta foi acolhida com seriedade e, desde então, todos os Estados da Federação passaram a contar com os referidos cursos.
Mas as contribuições de Renato Chaves vão além da Medicina Legal. “Renato Chaves era um humanista. Apesar de formado em Medicina, tinha uma leitura densa da História e do Direito. Em 1917, quando da refundação do Instituto Histórico e Geográfico do Pará foi chamado inúmeras vezes para atestar, como perito, a veracidade de algumas fontes históricas, entre elas uma mancha de sangue, que teria sido encontrada nas paredes da igreja do Carmo e que seria originária dos conflitos da Cabanagem em 1836”, revela Aldrin Figueiredo, professor e pesquisador da Faculdade de História da UFPA e do CNPQ.
Laboratório
O médico legista também proferiu muitas palestras sobre o tema da medicina forense. Em 1921, já professor da Faculdade de Medicina e Cirurgia do Pará, fez uma conferência sobre a importância da perícia médica na história do Ocidente. “É interessante se pensar que um médico como ele sabia que durante a chamada Idade Média, no período carolíngio, diversos exames eram referidos na legislação, desde aqueles que determinavam os ferimentos em batalha, até que os julgamentos submetiam-se ao atestado médico, prática que foi suprimida com a adoção do direito germânico” - Aldrin
Gabinete do Diretor
Segundo o pesquisador, na mesma conferência, para uma plateia de confrades, Renato Chaves revelou que na Baixa Idade Média e Renascença ocorre a intervenção do Direito Canônico, e a prova médica retoma paulatinamente sua importância. “Era como se ele quisesse demonstrar que o passado ensinava o presente sendo a história uma espécie de mestra da vida, como se dizia na época”.
Sala de identificação
As conferências de Renato Chaves eram sempre ilustradas com exemplos. Era assim que ele demonstrava que foi na Alemanha que, de fato, a Medicina Legal encontrou seu verdadeiro berço, com a Constituição do Império Germânico, que tornava obrigatória a perícia em casos como ferimentos, homicídios e aborto. Para exemplificar, citou o caso da necropsia feita no Papa Leão X, suspeito de haver sido envenenado, em 1521.
“Estamos falando pois de um sujeito versado na história de seu campo de atuação. Renato Chaves referia a obra de Fortunato Fidelis, publicada em Palermo, na Itália, em 1602, como a primeira obra de Medicina Legal à qual se seguiram outros estudos” - informa o professor Aldrin
Médico lançou o serviço precursor do 192
Em 1924, Renato Chaves foi designado pelo governador Emiliano de Souza Castro como diretor dos Serviços Médico Legal, de Identificação e Assistência Pública, que funcionava como uma dependência da Polícia Civil, na antiga Central de Polícia, com total autonomia administrativa e financeira. A instituição era dividida em três setores: Serviço Médico-legal, constituído por Gabinete Central, necrotério, laboratório, gabinete radiológico, museu criminal e de anatomia patológica; Gabinete de Identificação constituído pelos registros criminal, civil, policial, de passaportes e documentos diversos, gabinete de datiloscopia, microfotografia, ampliação; e Assistência Pública constituído por socorros médicos cirúrgicos e hospitalização de indigentes e loucos.
Ambulâncias Filomena
Demonstrando espírito humanitário, Renato Chaves instituiu, durante sua gestão à frente da entidade, o Serviço Médico de Assistência Pública, que possuía duas ambulâncias para prestar os primeiros socorros a pessoas acometidas de mal súbito e transportá-los para os hospitais disponíveis. Estava lançada a semente do transporte de pacientes em ambulâncias, conhecido hoje como Serviço 192. A curiosidade é que, na época, as ambulâncias ganharam o nome de “Filomena”, por ser este o nome da primeira pessoa atendida pelo serviço.
Um dos poucos trabalhos que documentam a ação de Renato Chaves à frente do Serviço Médico-Legal está publicado no volume 10 da Revista “Pará Médico”, de setembro de 1922, e que hoje pode ser consultada no setor de obras raras da Biblioteca do Centur. Neste trabalho, assinado pelo médico, ele faz um relato das ações relativas à estruturação do serviço médico-legal no Pará, cita as leis de sua regulamentação e resume as atividades de sua administração, destacando dados estatísticos levantados nas diferentes secções que compunham os Serviços. “O Serviço Médico-Legal possuem atualmente o indispensável em material, aparelhos e instalações para alcançar os seus fins e tem desenvolvido trabalho numeroso”, escreveu Renato Chaves na grafia da época, publicando a seguir, uma série de quadros com dados de atendimentos desde 1917 até 1922.
Em outro artigo, a Revista ressalta, ainda, que o Gabinete de Identificação, durante a gestão de Renato Chaves viveu um período brilhante de sua existência e reforça que o médico implantou um curso de perícias científicas na instituição que, cronologicamente, foi o primeiro do Brasil.
A luta pela estruturação do serviço de perícia no Pará
No Brasil, a Medicina Legal propriamente dita começa com as pesquisas e com o ensino prático feito por Agostinho de Souza Lima, em 1877, no Rio de Janeiro e no Pará, com o caráter que possui atualmente, somente nos anos de 1920.
“Há que este campo ganha finalmente os foros de autonomia, e sua conceituação básica, a invenção de novos aparelhos e descobertas de novas técnicas e padrões, cada vez mais precisos como vemos hoje” - observa Aldrin Figueiredo
Segundo pesquisa de João Alberto Lurine, a implantação dos serviços de perícias médicas no Pará remonta ao ano de 1891, embora com o caráter de serviço sanitário. Começava ali a luta para a criação e estruturação de um órgão competente para a realização de atividades periciais.
Em 1901, o serviço sanitário ganhou a feição de assistência clínica aos Institutos Lauro Sodré e Gentil Bittencourt, Penitenciária, Regimento Militar e Exames Médicos-Legais perante a polícia e o juiz criminal.
O grande marco na história da Medicina Legal no Pará acontece em 1906, quando o Serviço Médico-Legal com administração autônoma e funcionários próprios entra em funcionamento, sendo que, até então, as perícias médicas que respaldavam o trabalho da polícia, eram realizadas por inspetores sanitários do Estado. O serviço de perícia sofre nova alteração em 1919, quando um decreto determinou que a técnica pericial do Pará deveria seguir a mesma organização do Serviço Médico-Legal do Rio de Janeiro.
Enfim, em 1921, as atividades de cunho pericial criminal no Pará foram regulamentadas, com a então denominação de Serviços Médico Legal, de Identificação e Assistência Pública do Estado do Pará, tendo como diretor o Dr. Renato Chaves, que ficou à frente da instituição até sua morte, em 1929. A partir de seu falecimento, e durante muitos anos, todos os serviços foram desenvolvidos nas dependências da Polícia, em instalações modestas e inadequadas. Em 1971, sob influência do ocorria no resto do País, o Gabinete Médico-Legal foi transformado em Instituto, quando recebeu o nome do visionário Renato Chaves.
Historicamente, a trajetória da Polícia Científica do Pará tem sido marcada pelo entrelaçamento dos campos da Medicina e do Direito, sempre buscando atender à justiça. De 1921 quando sua função resumia-se a prestar socorros médicos e cirúrgicos e hospitalização de doentes e de loucos na atualidade, grandes alterações ocorreram.
Consolidando-se como um instrumento de defesa de direitos, no ano 2000 foi instituída a Autarquia Estadual Centro de Perícias Científicas “Renato Chaves”, sendo a primeira do Brasil com total autonomia, tendo por finalidade coordenar, disciplinar e executar a atividade pericial civil e criminal no Estado do Pará.